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Não é D R A M A !



Um novo amanhecer se faz ao mundo, mais um dia de trabalho e eu continuo sem disposição. Mal coloco os pés no escritório, recebo uma rajada de instruções e já sei que será um daqueles dias, de merda! Entre palavras e sorrisos desajeitados, horrorizada, minha colega de trabalho questiona sobre as marcas no meu antebraço esquerdo, finjo que não é comigo e continuo a trabalhar. Somos só nós duas na sala e a sua curiosidade descomunal continua a bater na minha porta, irritadiça respondo que sou muito destrambelhada e em algum lugar áspero devo ter raspado ou sei lá. Ela apenas anui e inconformada continua a mirar. Ciente disso puxo as mangas da minha camisola e encerrámos o tópico de vez.

Dizem que o dia lá fora está bonito, mas meu coração está negro e totalmente mergulhado no desconsolo, nem quero saber. Não me apetece conversar, comer… não me apetece nada. Então faço uma encenação para os meus colegas, envio uma mensagem ao meu chefe a informá-lo que estou a passar mal e que vou à clínica para uma consulta. Eu sabia que a resposta seria: “Tudo bem, depois podes ir para casa. Rápidas melhoras, caso precise de algum apoio, ao dispor.”

Pego em mim e ao invés de subir pela Av. Samora Machel, viro a esquerda e sigo pela Av. 25 de Setembro rumo ao Belo Horizonte. É segunda-feira, 13h e o meu som já vai aos vinte e cinco, importa referir que não tem qualidade... então imaginem a barulheira! Procuro pelo álbum mais tortuoso e continuo a viagem com Coldplay – The Scientist, abraço à melancolia e logo vem-me 1001 questões a cabeça:

“Porquê eu sou tão diferente?”; “Porquê parece dar tudo errado para mim?”; “Porquê é tão difícil me definir?”; “Quando é que finalmente vou perceber quem sou eu?”. A última pergunta senta na minha mente e logo de seguida vem um jato de lágrimas, inconscientemente aumento a velocidade e começo a desenhar a minha morte a cada travagem brusca. Eu não percebo qual é a minha função no mundo e por quê eu existo! 

Percorri o caminho em 10 minutos, passei por sinais vermelhos e ainda assim cheguei sã e salva. Para a minha alegria não está ninguém em casa, apenas a “secretária executiva”. Logo que abri a porta do quarto lembrei que havia esquecido algo, então pedi que ela fosse comprar. Chamo-a “Speedy Gonzáles”, em dois minutos já estava de volta. 

Tranco a porta, fecho as cortinas, tomo a minha dose diária de barbitúricos, mas desta vez um pouco mais exagerada, coloco a música da dupla A Great Big World – Say Something e abro a minha nova caixa de lâminas. Antes de iniciar o ritual permito-me deixar envolver pelo vazio, por essa dor que nunca vai embora e sem rodeios faço o quarto corte. Desta vez mais para baixo, mais profundo e o prazer é proporcional, fico extasiada e demasiadamente empolgada, inconscientemente faço mais cinco.

Quando dou por mim, o meu braço está ensanguentado e desta vez cortei os pulsos. Sinto cada parte de mim relaxar, ouço batidas na porta cada vez mais distantes e nesse momento fecho os olhos para em silencio celebrizar o meu último ato de covardia.


Ps.: É importante que estejamos cientes que a depressão, automutilação, perturbação bipolar, perturbações de personalidade, e outras, não são frescuras e não é frescura de gente fina, não é para chamar atenção… é real. Fique um pouco mais atento(a) as pessoas que ama, pois, as vezes nem eles estão cientes dos comportamentos autodestrutivos.

“Falar é a melhor solução, você não está sozinho!” - #SetembroAmarelo

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