Estou
num lugar escuro, oco e desagradável, minha vida tomou um rumo inesperado. Poderia
ter me escondido ou deixado que a outra ficasse com a culpa, mas vim aqui de
livre e espontânea vontade. Enfim, estou neste buraco há 2 anos e até hoje não
consigo ter “bolas” para dar espaço
ao arrependimento. Será que deveria?! De qualquer forma, eles já afirmaram
veementemente que eu sou culpada e condenaram-me a uma eternidade de sossego e
paz que tanto precisava. Ainda que chamem de castigo, sei que agora posso
realmente descansar.
Casei-me muito cedo, com apenas 15 anos. Por conta da minha curiosidade, engravidei e os meus pais obrigaram-me a juntar os laços com aquele homem que eu mal conhecia. Eu vinha de uma família que exalava pobreza e ele, bem... ele não era rico, mas também não conhecia a fome do mesmo jeito que eu. Éramos um casal patético, ele só tinha 18 anos e nenhuma bagagem para preencher o vazio da minha mente. Embora não fosse das mais inteligentes, decidi por nós que ele iria voltar à escola, eu tomaria conta da casa, do nosso filho e do nosso pequeno negócio para que pudéssemos ter o mínimo (embora os pais dele ajudassem com o “pouco” que tinham).
Na minha cabeça aquilo parecia fácil, mas na prática era um sufoco, porque
mesmo depois de realizar as minhas tarefas, tinha de o satisfazer também. Nos
primeiros meses eu me entregava por puro gosto, não entendia nada sobre sexo e
dava-me por satisfeita com o que recebia. Contudo, a minha rotina começou
a dar cabo de mim e eu passava a vida engolida pelo cansaço. Havia dias em que
eu simplesmente apagava, mas acordava muito mais dolorida e mergulhada em
fluídos.
Ao acordar eu perguntava o porquê da insistência se ele poderia esperar o
amanhecer. A única resposta que eu recebia vinha carregada de insultos. Com o
tempo ele tornou-se um homem violento, batia em mim por não ter forças de o
servir entre quatro paredes e de castigo enfiava objectos estranhos dentro de
mim, e deixava bem claro que eu só estava ali para o satisfazer. Anos depois
vim descobrir que já não posso ter filhos por conta dos coitos forçados e da agressão física
que sofria sem saber porquê.
O tempo passou e nada melhorou na nossa relação. No entanto, com o meu
suor, ele terminou a faculdade e graças a Deus (ou não), ele conseguiu um
emprego muito bom na Capital. Ficamos eufóricos, por um segundo acreditei que
ainda existia amor e celebramos a nossa primeira vitória. Prontifiquei-me a
fazer as nossas sacolas, para que juntos embarcássemos nessa nova viagem, mas
ele disse que seria melhor se fosse organizar tudo sozinho para que não vivêssemos
no mesmo aperto. Como sempre, anuí e fiquei quieta, respeitei as decisões do
meu marido.
Estamos
a falar de um homem inteligente que viu sua vida dar uma virada, deixou sua
mulher e filho em Funhalouro e partiu para a Capital alegando que ia atrás do
melhor para todos nós. Estamos a falar do homem que desapareceu por 5 anos,
regressou a Funhalouro casado com uma branca e com 3 filhos mestiços. Estamos a
falar do homem que não teve o discernimento de escondê-los. Estamos a falar do
homem que esfregou na minha cara que aquela mulher o tinha transformado.
Estamos a falar do homem que me disse sem filtros que aquela era a grande mulher
que existia por trás do grande homem que saiu do nada e venceu todas as suas batalhas sem precisar de ajuda. Estamos a falar de um fabulista!
Fiquei revoltada, fiquei enraivecida e descobri em mim uma mulher que eu
não sabia que existia. Por seis noites tratei-os como verdadeiros príncipes
estrangeiros, alberguei-os na minha casa, cedi o meu quarto e mandei o meu
menino para a casa dos avós (o que o deixou um pouco insatisfeito, pois estava
bastante emocionado pelo facto de ter irmãos... de outra cor). Foram noites
duras para mim e a Zabelane que um dia encontrou amor naquele homem, morreu
quando finalmente decidiu tomar uma atitude.
Na
sétima noite eu não consegui me conter mais e antes que me acobardasse eu fiz,
eu fiz e não me arrependo. Nós juramos perante Deus que ficaríamos juntos até
que a morte nos separasse, ele foi e eu fiquei com as minhas mãos
ensanguentadas. Não fugi, apenas pedi perdão ao meu filho, aos meus pais por me
ter excedido e cedido a minha impaciência, e perdoei-me também. Vi
incompreensão nos seus olhares, vi tristeza e medo, mas eu não me importei, apenas
despedi e implorei que cuidassem um dos outros.
Hoje, escrevo-vos a partir do Estabelecimento Penitenciário Provincial de
Gaza, no único lugar onde ninguém se importa com o que fiz ou deixei de fazer. Contudo,
aos olhos do mundo eu sou “a criminosa”, ninguém me entende e nem espero que o
façam, mas ninguém esteve lá. Enfim, hoje é dia de visita, tal como todas as quartas-feiras,
coloco-me bonita na esperança de que o meu filho um dia venha me visitar, espero
que seja hoje… hoje é meu aniversário.
Escrito
por: Sheila Faiane
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