Era uma vez uma bela jovem de uma família católica,
detentora de um espírito selvagem. Seu nome de casa era Lina e era dona de uma
das curvas mais perigosas do bairro da Malanga… essa mulher sou eu!
Muito cedo meu corpo ganhou formas sedutoras, muito mais
cedo deixei-me encantar pelos prazeres da carne e beijei as noites da cidade de
Maputo como se fossem a minha primeira boca. Por ingenuidade ou não, aos 16
anos enfeitiçaram-me os corações vadios do mundo e quando menos esperei minha
barriga começou a crescer. Estava no décimo primeiro ano quando tudo aconteceu
e tive de “partir a caneta” para
abraçar novas responsabilidades, uma vez que eu sequer sabia quem era o pai
para que pudesse ajudar-me com as despesas.
Minha vida mudou drasticamente, minha mãe expulsou-me de
casa indignada com a cabeça vazia da miúda que tinha criado. Mergulhada na
penúria, fui viver de favor em casa da minha avó no bairro do Aeroporto, onde
imediatamente fui colocada a fazer trabalhos de uma autêntica doméstica, mas
ainda assim nunca abandonei as ruas e foi na má vida que descobri uma nova
forma de dar uma vida minimamente digna a minha filha.
Devido a minha audácia, não demorou muito para que eu começasse
a ser notada pelos homens mais velhos da zona, os famosos “mapaga bem”. Então começaram as bebedeiras de graça, extensões
tamanho 22’' e roupas caras. Quando fiquei “xipila”
virei acompanhante de luxo e com tanto dinheiro que ganhava passei até a
sustentar a casa que após 8 anos de muito sofrimento decidi abandonar para o
bem da minha sanidade. Era incrível como apesar de tanto ajudar, ainda assim
era apedrejada por todos.
Eu era uma dançarina incrível, minha bunda avantajada e o
rebolado indecente fizeram com que conseguisse um emprego part-time em uma das melhores casas noturnas da cidade... Copacabana.
Nessa altura andava pelos 23 anos e já tinha minha própria casa na Av.
Frederich Engles, uma das zonas mais nobres da cidade. Eu não precisava
daquele emprego, mas a vontade de ser idolatrada pelos homens era mais forte
que eu. Era infame sim, mas tinha aprendido muito com minha avó Palmira e nunca
permiti que minha menina que na altura tinha 7 anos, percebesse que por trás da
mãe exemplar que ela conhecia, reinava a prostituta mais requisitada da
irreconhecível Lourenço Marques. Sempre lutei para que Ester tivesse do bom e
do melhor, fiz com que estudasse nas melhores escolas e procurei também dar uma educação de
ouro. Eu havia jurado que ela seria o símbolo da minha vitória e que jamais
seguiria o mesmo caminho.
Era vadia sim, mas não sou burra e muito menos egoísta.
Conheci muitos homens e soube aproveitar tudo que pôde com cada um deles. Mas,
por tantas decepções amorosas e por ter aprendido a ser dona da minha vida, não
permiti que homem nenhum chefiasse meu coração. Hoje, aos 60 anos, não virei uma cafetina como todos pensaram, as minhas artimanhas e a fraqueza masculina permitiram que eu me tornasse uma grande
empresária no ramo imobiliário. Tem sido intenso e embora tenha sido do jeito menos simpático, conquistei
o meu império e orgulho-me de contar-vos parte do que vivi até hoje. Por outro lado, sou mãe da mulher mais inteligente que conheço e por tê-la
ensinado sobre o lado bom do amor, sou a sogra e avó mais abençoada do mundo.
Dizem por aí que “Deus dá nozes, mas não as quebra” e nós
mesmos devemos criar as oportunidades. Mas nessa viagem nem tudo acontece do
jeito bonito que desenhamos em nossas mentes descomedidas, mas não é razão para
desistir e abandonar o trem pelo caminho. O hoje é imprevisível e o amanhã um
autêntico desconhecido, o tempo matou a
Lina e trouxe ao mundo uma Celina que eu nunca tinha conhecido.
É
liberdade espiritual que fala?!
Escrito por: Sheila
Faiane
Obs.:
v
Partir a caneta – Deixar de estudar;
v
Mapaga bem – Alcunha geralmente dada a
homens mais velhos, casados, com disponibilidade financeira e infiéis;
v
Xipila – Pessoa esperta, manhosa, nem
sempre inteligente, porém bastante atenta;
v
Part-time – Palavra de origem inglesa que tem o
sentido comum de trabalho com horário reduzido; em regime parcial;
v
Deus dá nozes, mas não as quebra (Provérbio
Russo) – Significa
que muitas vezes há oportunidades, mas as pessoas não se permitem
aproveitá-las, mesmo que estejam aptas para tal.
v Cafetina – Senhora responsável por uma casa de diversão masculina, bordel.
v Cafetina – Senhora responsável por uma casa de diversão masculina, bordel.
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