Memórias, fragmentos de um tempo que se desfez com os
ventos do passado, mas que permitiu-se deixar rastos para que de tudo um pouco
eu carregasse no futuro. Memórias das trafulhices deixadas na infância, dos
beijos mal beijados, dos “eu te amo” ditos em vão... memórias de um “eu”, que
quisera eu ter ensinado que o mundo é mais fácil quando nos permitimos mais,
quando amamos mais, quando queremos mais. Não existe um manual para vida.
Talvez um Manuel! Então, eu me aconselharia a ouvir mais, deixar-me-ia envolver
por cada palavra daqueles que em minha estúpida inocência um dia chamei
intrometidos – os donos da razão, papá e mamã! Pois eles sabiam, eles sabiam e
tudo que eu fiz foi fechar os meus ouvidos e fingir que era adulta o suficiente
para não seguir seus mandamentos.
Saudades, saudades do tempo em que a minha única
preocupação era acordar e tentar ser feliz, ser sem noção sem me preocupar com
o amanhã, pois o amanhã era apenas mais um dia. Mas ao mesmo tempo, ainda sinto
o amargo daquela época que devia ter sido a melhor da minha vida, ainda sinto
aqueles olhos julgadores censurarem a minha aparência, desprezarem minha a
existência, engolirem minhas fragilidades e fazerem de mim um ser pensante
prematuro, quando tudo que eu precisava fazer, era ser criança!
Então eu cresci e me vi inundada em inseguranças, um ser
sedento por aceitação, cega, iludida pelas luzes da ribalta, pois era lá onde
eles diziam que eu nunca chegaria. Estava lixada e nem sabia. Eles diziam que
eu não era boa o suficiente e eu tentava prová-los o contrário tomando decisões
inconsequentes. Eles diziam que eu jamais veria minha beleza refletida nos
espelhos e que eu jamais seria o tão desejado modelo de mulher perfeita, então
eu envolvia-me com mais um para mostrar-lhes que o diferente era especial. Mas
todo aquele ouro, eram apenas cacos de vidro dourados queimados pelo tempo e eu
só me magoava mais, porque procurava por coisas que não existem em lugares onde
Deus já tinha desistido. E eu era só uma criança, quem faz isso com uma criança?
Quisera eu que alguém me tivesse dito o quão especial,
inteligente, corajosa e bonita eu era, mas ninguém o fez, então eu me perdi.
Mas agora, hoje, aqui... eu sei! Eu era especial e ainda sou especial.
Mas eu sinto saudades, sinto saudades daquele tempo em
que o tempo era apenas o tiquetaquear do relógio na parede. Correr na chuva de
pés descalços, sarar feridas com beijos de amor, acordar para viver e não viver
para poder acordar. Sinto saudades do tempo em que a moda era ser humilde,
bondoso e amigo. Mas hoje, hoje isso não existe mais. Eu não sentirei saudades
do “hoje”, porque hoje nós sequer sabemos quem somos. Vivemos mascarados,
vivemos para os outros, com cabelos dos outros, a vida dos outros sem
necessariamente estar na pele dos outros.
Nos resumimos em um tweet e um post perfeito, 150
caracteres inseridos numa bio ilusória para impressionar pessoas que não se vão
lembrar de nós 6 segundos depois, 1950 likes de um universo de 1 milhão
seguidores fantasmas e ignorantes que nos intitulam influencers, 1000 mensagens
codificadas em cada grupo do WhatsApp onde criamos afinidade com pessoas
temporárias e fazemos delas nossa família; pessoas que só se vão lembrar de nós
quando estivermos online, por outro lado, famílias esquecidas, melhores amigos que
só nos servem quando precisamos de um ombro para chorar, uma relação fracassada
e ninguém na vida real com quem partilhar o quão miseráveis nos tornamos. É
essa vida que queremos?
Não sentirei falta do hoje tanto quanto sentirei do
ontem. As vezes não sei quem sou, para onde vou e porquê devo ir. Hoje meu
espírito é um pouco mais vacilante, o retrato que os meus pais desenharam e que
era suposto ser exemplo do que não seguir. Não sentirei falta do hoje tanto
quanto sentirei do ontem, mas o ontem já se foi e o que me resta é o agora e o
amanhã para fazer melhor!
Agora, hoje, aqui... eu sei! Eu era especial e ainda
sou especial.
Escrito por: Sheila Faiane
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