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Eu, a Anorética!



Espelho meu, espelho meu, existe mulher mais gorda que eu? E em minha mente ainda escuto: “Não, somente tu!”.

Desde pequena que a minha massa corporal esteve mais para lá do que para cá. Os espelhos e as pessoas faziam questão de mostrar-me o quão avantajada eu era e que eu jamais seria feliz vestindo aquela pele. Quando comecei a estudar apelidaram-me “Bujão” e assim foi por muitos e longos anos. No princípio eu fingia que não me importava, mas a medida que fui crescendo comecei a sentir as palavras com maior intensidade. 

Aos 14 anos, começaram as mudanças mais notáveis: tinha uma altura maravilhosa, seios redondos e enormes, mas a minha cintura e a bunda eram quase inexistentes, meus braços eram demasiadamente desproporcionais ao resto do meu corpo e nessa altura o meu apelido passou a ser “Johnny Bravo”. Só para completar o kit de “Betty Feia”, virei míope e refém de um par de fundos de garrafa. Foi um dos períodos mais terríveis da minha adolescência, pois eu queria ser como as outras meninas e para o cúmulo apaixonei-me por um dos cabeças do movimento “Diga não ao Johnny Bravo” ... e tudo que eu queria é que ele me visse com olhos de ver.

Não lembro quantas vezes chorei pelos cantos da escola, a caminho de casa, em casa e em todo lugar onde eu conseguia ficar sozinha. Até que no meu último ano de ensino secundário, eu decidi que seria a finalista mais bonita do baile. Com apenas 16 anos iniciei a minha jornada pelas dietas, depois de descobrir que ficar sem comer não me ajudava. Tentei várias, até que uma muito famosa começou a fazer efeito: a dieta do algodão.
Minha mãe é médica e se há algo que havia em excesso em minha casa, era algodão. Comecei a usar demais e quando a minha mãe começou a notar, eu disse que estava a trabalhar num projeto de escola. Perfeito! Mas na verdade, eu mergulhava o algodão em sumo de fruta como forma de me manter saciada e eliminar minha fome.

Esse ritual proporcionou uma perda de peso rápida, mas eu não me sentia satisfeita ainda que as pessoas começassem a elogiar-me. No espelho eu continuava a enxergar o “Bujão” que todos chamavam-me, mesmo que a balança indicasse 48kg. Para mim aquele peso era irreal, eu continuava a sentir-me gorda e isso aumentava ainda mais a vontade de continuar com a dieta.
As vezes vinha aquele sentimento de culpa por não conseguir enquadrar no padrão de beleza que a sociedade definiu, por não ser a definição de corpo perfeito que eu enxergava noutras raparigas ou o tipo de corpo que atraía os homens. Por conta disso, até já quis acabar com a minha vida várias vezes, como forma de eliminar esse vazio que tanto me sucumbia.

Comecei a ficar cada vez mais insegura com as minhas imperfeições e esqueci por completo da minha saúde, queria apenas ficar bonita e atingir o meu objetivo: caber no meu lindo vestido para o baile de finalistas, mesmo que isso custasse a minha vida.
O dia mais esperado chegou, eu estava deveras entusiasmada e muito bonita, mas os meus pais não conseguiam esconder o terror nos seus olhos. Eu estava muito magra, mas sentia-me gloriosa, pois tinha atingido os tão desejados 40kg que apenas permitiram que eu chegasse a porta do salão de festas... e então desmaiei.

Não lembro de quase nada, apenas sei que acordei em uma cama de hospital e a primeira coisa que vi foi a tristeza estampada no rosto dos meus pais, lágrimas e culpa.

- Como é que não consegui ajudar a minha própria filha? – disse a minha mãe mergulhada em lágrimas.

O médico aproximou-se e informou-nos que eu precisaria ficar mais algum tempo internada, pois de acordo com os relatórios a ingestão do algodão não só me enfraqueceu como também trouxe uma infeção intestinal grave. Eu estava demasiadamente frágil para continuar com os tratamentos em casa.

A vontade de garantir a aceitação dos outros levou-me ao abismo, entrei em depressão, fui obrigada passar por vários tratamentos e terapias. Um ano depois, para a felicidade dos meus pais e para o meu terror, finalmente comecei a ganhar os malditos kilos e uma aparência um tanto aceitável. Fui forte até onde deu, lutei com os meus sentimentos e com a essa sociedade padronizada, mas fui fraca. Aos 20 anos no meu terceiro ano de faculdade… tive uma recaída.
No princípio a justificação era: “Tenho muita coisa por fazer, não tenho tempo para nada”, mas bem lá no fundo eu sabia que era uma desculpa para não comer, porque o meu espelho gritava “Bujão! Bujão! Bujão!”.

Hoje, vivo confiando apenas na fé que me resta, com apenas 21 anos, 75% do meu cabelo se foi, a minha cor de canela morreu, dependo de um tubo de alimentação e peso 28kg. Neste momento encontro-me na mesma cama de hospital há nada menos que 3 meses e segundo os médicos, só um milagre de Deus poderá safar-me.
Esta manhã tive a segunda paragem cardíaca e pensei que fosse o meu ponto final. Não sejas como eu, não faças o que eu fiz ainda que te magoem as palavras dos donos da perfeição, sê fiel a quem tu és! Essa busca pela perfeição e por uma beleza fabricada pelas revistas e redes sociais, conduziu-me ao pior momento da minha vida. Eu maltratei o meu corpo, esquecendo-me que um corpo bonito é aquele que tem uma pessoa feliz.

Por favor, lembra-te sempre que: Conviver com as tuas imperfeições é a melhor dieta milagrosa!

Escrtito por: Sheila Faiane & Eunica Beatriz


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