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Grey Goose


Eu não queria encher meu mural de palavras tristes, não queria que o mundo me visse no meu momento mais escuro, na verdade não queria que ele percebesse que as felicidades que me tinha desejado estavam lentamente a quebrar o meu coração. Por isso, mais uma noite eu troco o meu pijama de listras azuis por uma calça jeans surrada, sapatilhas confortáveis e qualquer coisa que cubra os meus seios - nada de maquilhagem, hoje o único homem que eu quero que me veja, é o barman; sim, pois é ele quem irá arrancar um pouco dessa nuvem negra que se instala em mim todas as madrugadas.

- O de sempre misteriosa?

- Claro doutor, 3 shots de água benta só para começar!

Nossa relação é tão simples assim, ele entende o meu sofrimento e juntos procuramos um pouco de sossego para o meu coração, e é com Grey Goose que o fazemos, embora eu saiba o quão fraca sou quando se trata de vodka. 

Estou tão magra que ninguém realmente deveria olhar para mim, mas meu estilo é tão peculiar que só atrai curiosidade, problema e tédio, quando na verdade eu só preciso que alguém me note de verdade e esse alguém nunca está aqui. Então eu finjo demência, me torno aquela mulher que ninguém quer por perto e assim ganho alguns minutos de solidão - desejados como nunca, mas temporários, pois a calmaria traz sossego, o sossego carrega o silêncio e o silêncio... oh, esse grande filho da mãe, vem sempre acompanhado das lembranças mais perturbadoras.

É nesse momento que me vejo perder controle dos meus pensamentos, meu desespero implora pelo liquido selvagem nas minhas veias e quando eu acho que nada pode colocar o ponto final, dou por mim com a tela preenchida por nove dígitos conhecidos de traz para frente e vice-versa. Queria que o destino não tentasse me salvar sempre da minha inconsequência, mas ele não atende e eu agradeço.

Atingindo o 80 percebo que é hora de me recolher, às cambalhotas quase caio nas garras do inimigo, mas o meu subconsciente ainda vive e lembra-me que blindaste o meu coração, pena que te deixaste ficar do lado de fora. Enquanto subo as escadas rumo ao meu casulo, vou deixando os pensamentos tomarem conta de mim e em um pequeno momento de lucidez percebo que talvez a vida se tornasse mais bonita se eu deixasse de me preocupar com problemas sem solução, se eu me permitisse viver sem questionar tudo, pois nem tudo na vida precisa de uma resposta que faça sentido. Perco tantos sinais positivos por achar que pode não ser a "tal resposta" e esqueço que a vida é um pedaço divino abstracto que me foi concedido.. não precisa ser perfeita, só tenho de saber como aproveitá-la.

A vida é o presente, não é o ontem e muito menos o amanhã. O que ficou para trás, ficou por algum motivo e tenho simplesmente de aceitar e seguir em frente. O que está lá a frente? Bem, não sou vidente, por isso tenho o hoje para fazer coisas incríveis e garantir uma amanhã espectacular. É assim que devia ser, mas vivo mais preocupada do que a aproveitar os intervalos de felicidade que a vida me dá.

Era bom poder ter controle sobre tudo, o tempo, as pessoas, minhas emoções, mas assim não teria graça viver. Por isso também concordo que o melhor é deixar que as coisas aconteçam, sem manipulação de possibilidades, pois é aí onde começo a estragar as coisas e corro para culpar o destino. Só que também de nada vale escrever coisas bonitas sobre como me tornar uma pessoa melhor ou como fazer melhor, se na verdade é só vontade. É incrível como somos seres cheios de vontade e pouco agir, enfim... seres humanos, eu e o meu pijama listrado.

Escrito por: Sheila Faiane


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