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Relatos da Quarentena | Eu estou bem!



Eu sou a pessoa mais alegre que tu vais ver, eu tenho o sorriso mais belo, sou aquela que está sempre presente e estende a mão antes que lhe seja pedida. O meu olhar transmite paz, a minha voz traz sossego e as minhas palavras costumam ser a luz. Sou uma mistura de excentricidade, aconchego e porto seguro. Há quem diga que me ter por perto foi a melhor coisa que aconteceu e que eu sou para toda vida. Então eu pergunto-me, como posso ser para toda vida de alguém, quando mal consigo existir na minha?

Queria eu poder olhar para mim e ver tudo que eles vêm, pois por trás de todos os sorrisos, todas as gargalhadas, todo o amor dado, tem um coração que tenta se remendar todos os dias. Por trás dessa capa de pedras preciosas, tem uma alma que quer brilhar do mesmo jeito… existe um alguém que não se sente completo.

Mas eu estou sempre bem, não é? Sempre radiante e sempre pronta para dar mais do que recebo — percebo isso quando eles exigem de mim coisas que não são capazes de dar/fazer. Por quê? Porque é suposto eu ser forte por mim e por eles, porque os meus sorrisos são mais importantes que os sentimentos que eles carregam. Mas eu estou sempre bem, porque assim é mais fácil para eles lidarem comigo — assim eles não precisam ouvir-me por horas e horas, não precisam ver que os meus olhos têm esse formato porque são tristes, na verdade, eles não precisam ver-me, eu apenas tenho de estar ali.

Hoje é o centésimo vigésimo oitavo dia de quarentena, estou rodeada de toda a minha família e nunca me senti tão só. Eu pensei que esta situação toda fosse nos aproximar, mas só me fez lembrar o quão quebrados estamos e que talvez nem o tempo será capaz de sarar as nossas feridas. Tenho feito do meu quarto o meu santuário, o único lugar onde tudo parece certo, mas o problema é que quando encosto a cabeça no travesseiro, a realidade vem à tona e vejo os meus medos ganharem vida.

Tenho procurado conforto nas coisas mais idiotas, tenho sido idiota, tenho sido outro alguém para tentar resgatar-me e sinto que tudo que eu vinha construindo, aos poucos vai se desfazendo. Mas se eles perguntarem como eu estou, a minha resposta será a mesma: eu estou bem!

Escrito por: Sheila Faiane

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